sexta-feira, 9 de setembro de 2011

LIVRO NEGRO




FIM II


Dedicatória

Até o mais profundo afecto do homem social, a família, se baseia na projecção mais superficial do homem em geral, o dinheiro. Eis essa chamada à consciência, a Metamorfose de Kafka.




Prefácio


Ouvi-te, vou-te relatar, dizias em segredo à tua amiga do tempo queimado:
“Quero coisas grandiosas a acontecer à minha volta. O mundo parece um deserto parado e a minha inteligência e imaginação movem-se muito mais rápido e arrastam a minha alma. Por outro lado, fujo de toda essa agitação oca para onde as casas abandonadas estão quietas e o tempo parece parar e libertar o espaço. Vivemos num tempo em que acontece tudo e mais alguma coisa e nada tem significado. Ao menos dêem-me putas, tocadores de flauta e feras. Somos um pouco, ou muito, como ratos assustados com essa nuvem de nada e caos trituradores, e vamos correndo para nos aninharmos nos buracos. Mas para onde é que corremos? Será que tanto faz a sarjeta que escolhemos? É tudo? Um buraco não é diferente da natureza dessa nuvem, é mais um vácuo onde nos deitamos para respirar.”

Deixa-a deitar-se, remoendo em tudo o que sente como uma jóia que guarda na cova do silencio do peso do peito. Conta-lhe só isto, diz-lhe que eu te disse que a partir de agora nunca mais precisarás de comprar livros, que tudo o que precisas saberemos um do outro, que, mesmo que compres livros, serei eu a ler-tos no teu leito de morte, e as estórias serão as minhas, e já terá tudo sido escrito, constantemente, por mim.

Como um hippie eu digo-te: “Relaxa, fuma esta droga e sonha com os lagartos: está tudo na tua cabeça.”

E se eu não me esconder, e se eu te chamar: “Vem conhecer-me”?











Esquecer pensar e só lembrar de esquecer. Escutar, para que o pensamento se organize a si mesmo. Anotar tudo para que tudo seja sempre observável. Nunca esperar respostas S(anta)E(rguida)M(morte)E(mulada)L(libertada)hA(mada)N(noite)T(errivel)E(erguida)S(anta).



A Flor, A Porta & o Cubo



A Flor


Dei-te um conto e tu reproduziste uma flor, as flores foram as primeiras a aceitar a consciência de Fénix. Mas a tua flor tem uma estória própria para ti:

As entidades existiam primeiro fragmentadas, umas com sombra e outras com luz de sombra e luz, todas lutavam pelo mesmo, a posse do todo, e é por isso que as arvores se sufocam e os insectos se devoram e as bombas destroem os homens a favor doutros homens. Mas a flor não se deixou convencer, ela reverteu o processo. Primeiro, não podia querer a arvore por inteiro, cessaria. Mas a flor intuiu que a arvore era um símbolo do mundo e que o mundo era o corpo do todo. Ela deu coisas ao mundo, deu perfume e no perfume deu amor, ela aceitou a aparência frágil das coisas que não combatem a morte e foi a primeira a descobrir a beleza. Reuniu as criaturas e contou-lhes outra estória:

A solução para os males é oferecê-los com o bem. Se era frágil, deu-se frágil e nisso foi forte, como ela não temia, em nada se deixava enganar, ela não sofria o caos da mesma forma que as arvores que se enrolam na selva e se apertam. A flor conhecia que a arvore é um símbolo de Deus, e que Deus ainda não aprendeu o truque da flor, porque a flor era o filho do mal, e Deus o criador do bem. Não te deixes confundir agora. Escuta, o teu filho é quem te redime do medo, porque ele é um produto da morte e está vivo. O filho do mal traz o bem, mas o criador do bem tem por natureza fazer o mal. As criaturas espetaram-se no espinho da flor, porque a flor tem um espinho e o seu espinho é o seu sexo, inebriaram-se no perfume e o perfume é o seu outro sexo, e deixaram-se morrer. Logo ali regaram aquela flor e viveram nela, porque a flor era o Todo. Ela que aceita ser pequena. As flores seguem sempre aquele que dá o seu sangue ao vento e o seu coração à terra. As flores crescem no lugar dos dedos de um homem assim, no lugar dos dedos que acusam, que apontam. Dos punhos de dedos de rosa fez-se a magia. Essa é a única verdade mágica. Vive pela lei da Magia então e saúda, em tudo o que vês, saúda: Também as flores oferecem o seu néctar ao vento. Eis porque Hermes, o pai dessa ciência transçandental, era Deus pertencente aos ventos.

Sopra sobre ti mesmo, eis o segredo, aquele que te funde com o vento e te faz agir, implacável, invisível, e certeiro como a águia que se eleva nos ares. Nós somos predadores benéficos.

Agora pára, e pensa nas flores carnívoras. E pensa nelas e repara bem naquilo a que reages. Se tens horror, e a natureza é horror, não és um mago, porque não entendes a Natureza.

Eis a voz da sombra: “Eu sonhei contigo”. Porque a sombra nunca se reconhece como um sonho, e é por isso que as pessoas são sombras. As sombras são o cadáver dos sonhos.

O mistério do cubo é que o cubo é a forma mais simples e a primeira da matéria, o segundo mistério do cubo é que todas as suas paredes são feitas de espelhos, mas o único mistério do cubo é que nada existe dentro do cubo para ser reflectido, e nisto eu conto-te que este é o mistério do vento: Não há prisões.

As rosas são para o vento como as praias são para o mar.

Não tenhas medo, porque aqueles que te amam são só o amor, e não aqueles que te amam. Não sofras incorrectamente por nada, porque tu és só amor, e não aquele que ama. E o poder que está no amor? É o de abrir todas as portas. Não repudies agora o que te digo, mas sim, porque as portas nada tem a ver com o amor.






























A Porta

Todos os Anjos de Deus e todo o povo de Deus e toda a criatura de Deus e todo o Mundo de Deus o abandonou. Repleto de terror, Deus passou a adorar todos os Anjos de Deus e todo o povo de Deus e toda a criatura de Deus e todo o mundo de Deus como Deus.



…MEDO…
UM MEDO NOJENTO
ANIMOU UMA NOVA VIDA VIRULENTA.


Tc.t.t.t.t.tc. Patas que torcem e retorcem tocando a tétrica cantiga da cigarra e a ela junta-se o gafanhoto tentando trocar as voltas aos tocadores de trombone: os escaravelhos, enquantos seguram o instrumento com as suas presas, tombam as suas patas em tambores de casca de barata, fazendo tremer a terra onde se arrastam as centopeias e o lacrau rei que trepa à cabeça do louva-a-deus e começa assim o seu discurso:

Sê bem vinda, Princesa do Mundo dos Humanos!

Sê bem vinda ao Mundo Subterrâneo! - Gritam as baratas e os mosquitos em coro. (iizzzz e  tc.c.t.ctc.)

Olá – disse eu.

Oh-Oh-Oh-Le…Le… - E então um grito horrivel – HOLÁ! – E riram-se todos numa gargalhada que mais parecia o rugir do aspirador.

Senhora Princesa, damo-vos as boas vindas ao nosso mundo – continuou o lacrau, galante e com delicadesa, notavelmente disfarçando a sua ferocidade infame.

o… obrigado – respondi.

O-O-O-Ob-Ob-Obrrr – e um barulho ascendente de bater de asas, patas e que estalidos mais encheu todo o ar de uma vibração palpável, como nunca antes tinha ouvido, era de tapar os ouvidos!

Tem de desculpar esta humilde comunidade, minha senhora, não estão, digamos, familiarizados com a vossa lingua. – e abriu-me a sua bocarra de presas articuladas demonstrando-me a veracidade do seu argumento, de facto ele não tinha lingua.

Não há problema senhor lacrau. Vim à procura do Senhor do Sonho, não me posso demorar.

Dito isto e logo uma centopeia passou por entre as minhas pernas e arrastou-me consigo para dentro de um buraco (esqueci-me eu de mencionar que neste sitio todos os insectos eram do tamanho de pessoas?). Em segundos estava na escuridão absoluta e só ouvia o tiritar de estalidos das placas de quitina da centopeia gigante. Afundamo-nos no buraco como se deslizassemos com uma estranha corrente electromagnética. E foi assim que cheguei à casa do rei lagarto.









Na caverna do rei lagarto reencontrei o gnomo negro, ele estava lá ao pé da enorme caveira de bufalo que servia de trono ao rei lagarto. Este estava petrificado, em perfil, numa postura solenemente magnifica que ondulava subtilmente com o movimento da luz das tochas, estas suportadas por estranhos e exóticos insectos côr-de-vinho. O gnomo saudou-me com uma vénia profunda, eu acenei com a cabeça e desci com cuidado da centopeia. Não sei como não morri de medo, quando vi aquele monstro gigante inclinar-se sobre mim. Foi como se algum instinto tivesse morrido ali, naquele instante, de outra forma tinha largado aos gritos e corrido o mais que podia, mas não. Fiquei petrificada como uma estátua, o medo se o tive, não provocou qualquer reacção. Em vez disso entrei num estado de estranha comtemplação da beleza terrivel daquele ser. À medida que os seus olhos de metal quase roçavam a minha cara, e o seu corpo de arquitectura alienigena cintilava, suavemente deslizando pela caverna, enchi-me de um profundo respeito e admiração da criatura. E lá foi ela buraco fora, levantando um murmurio ritmico à sua passagem.

O rei lagarto levantou a cabeça muito  devagar e os seus olhos encaixaram-se nos meus, como se tivessem ganchos. Fiquei hipnotisada… O seu olhar irradiava uma inteligencia tão superior à minha ou à tua, e no entanto não inspirava terror, apenas calma, calor e vulnerabilidade perante a verdade. Imediatamente comecei a sentir uma enorme vontade de chorar, mas sofuquei as lágrimas preservando resolutamente a minha dignidade. Saudei-o com voz firme.

Saudações, Rei Lagarto.

A centopeia é temida porque odeia o medo. – Disse e voltou a petrificar-se. Eu fiquei sem saber o que dizer, era como se ele me lesse o pensamento.

Os homens adoram o medo, alimentam-se dele, sentem-se perdidos sem o medo e por isso têm pesadelos com centopeias.

É claro que me senti mal por ouvir falar assim da minha gente, mas assenti, afinal estava na sua casa, à mercê dos seus subditos. Não queremos discutir com um lagarto gigante em condições como estas. Seguiu-se um longo silêncio, esperei que o lagarto continuasse a falar mas ele ficou parado, por momentos ficou tão quieto que parecia morto, mas os seus olhos brilhantes sem pestanejar, sempre fixos nos meus.

Pelo canto do olho, vi o anão fazer-me sinais e de repente lembrei-me porque o tinha visitado.

Sr. Lag… - mas ele começou a falar ao mesmo tempo.

Traz-me as tuas cinzas – disse ele com voz vibrante e grave. Seguiu-se um breve tremer de estalidos de ansiedade dos insectos. Hesitei, abri a boca para falar, mas o gnomo acena aflito para eu fazer a vontade ao rei lagarto. Era cómica a sua figura a esbracejar, vermelho que nem um tomate, mas sem emitir um único som. Em nome da sua figura ridicula, eu fiz a vontade aos dois sem questionar e coloquei a colher com cinzas no chão. Só espero não me tar a meter em sarilhos, pensei. E logo veio uma formiga. Tic-tic-tic, com metade do tamanho da colher. Mordeu-a na ponta e lá foi ela arrastando-a até desaparecer por detrás das caveiras. Ai… só espero que o senhor do sonho não se zangue comigo.

Tens de regressar ao teu mundo, filha.

Mas…

As tuas cinzas não têm valor para o rei do sonho se não forem misturadas com alguns ingredientes especiais. Neste sitio esses ingredientes são fáceis de obter e por isso não têm valor para o Senhor do Sonho. Mas no teu mundo eles são muito raros.

Os insectos começaram a traquitar com as asas, provavelmente a troçar.

Que ingredientes são esses, senhor lagarto?

Eles são tão raros que não têm um nome adequado na tua lingua! – Ao dizer isto os seus olhos crisparam-se e ele pareceu ficar agressivo, embora permanecesse estático como uma pedra, a sua voz grave e vibrante. – Todos os ingredientes são chamados na tua terra pelo nome coragem. Mas como irás perceber é uma palavra um pouco vaga. O primeiro ingrediente da… coragem, é aqui chamado de sangue de barata. Quando o obtiveres deves guardá-lo debaixo das tuas roupas, barrando-o numa parte do corpo que mantenhas invisivel. Este ingrediente torna-te igual à centopeia e apenas um guerreiro muito poderoso pode sobreviver com ele no teu mundo, se não aprender a escondê-lo muito bem. O sangue de barata do teu mundo é muito apreciado pelo Senhor do Sonho. Estou certo de que irás receber uma bela recompensa se fores bem sucedida.

Sr. Lagarto – Respondi – não fique aborrecido com a minha ignorancia, mas daquilo que me disse fiquei sem perceber como se encontra esse sangue de barata.

É simples disse ele:

















Contas até 3 (1,2,3), dobras o pé esquerdo e inspiras fundo, então corres para a direita, depois saltas como um sapo para a frente e contas até 7, depois expiras lentamente, corres para a esquerda, abres bem a boca e gritas até perder o folego, inspiras fazendo estalidos com a lingua, dobras o pé direita e começas do inicio. Repetes isto 3 vezes, depois começas a cantar A-HÁ-ASHT-AL, repetidamente, cada vês mais alto, levantas o joelho esquerdo e ficas assim por 20 segundos, depois baixas e fazes o mesmo com o direito, nesta altura já estás a cantar bem alto, e então bates os braços como se tivesses asas e exclamas por fim AYUAZ! Então contas até 3, depois 2, depois 1. Corres para a direita até encontrares um obstaculo, contas até 7 de trás para a frente e assobias baixinho enquanto imaginas bolinhas de fogo entrarem-te pelos dedos (onde se encontram importantes centros de poder). Ao fazer isto manténs os dedos bem abertos e esticados para fazer entrar a energia (os dedos assim polarizam a mão com energia feminina). Agora abanas as mãos como leques, depois paras e abanas só o mindinho, depois o polegar, depois os restantes excepto o mindinho e o polegar, depois abanas os braços como uma onda e deixas que o corpo acompanhe o movimento e começas tudo do início.

Desde o início da primeira parte ou da segunda?

Desde o início. Contas até 1,2,3 e continuas. Quando chegares ao fim, paras um pouco, dobras ligeiramente os joelhos e deixaste ficar assim a respirar profundamente. Fechas os olhos e imaginas uma barata gigante a caminhar para ti. Quando ela tiver bem perto abre os olhos e dança com ela. Dança da seguinte maneira: inspiras fundo fazendo Oh, então saltas como um kanguroo só que com a boca fechada, levantas o pé direito ora o esquerdo e vais batendo palmas em cima e em baixo como se tivesses muitas patas como a barata e abanas a cabeça como se tivesses largas antenas e curvas as costas como se tivesses asas e ris bem alto para afastares o medo que elas detestam, então… Parece-te simples cirança?

Não, parece-me muito dificil senhor, hão há outra maneira?

Sim há… Passa através daquela porta.

Só agora me apercebi de uma porta dourada muito bonita ao lado da caveira do bufalo. Dirigi-me até lá e abri a porta. Do outro lado estava escuro mas sossegado, entrei e a porta fechou-se atrás de mim.













Encontro-me junto a um lago, as suas águas azuis estão calmas. Vejo um peixinho que brinca à superficie e eu sinto-me cansada e sem esperança. Oiço uma voz dentro de mim que diz: espera para ver o que acontece. Vejo qualquer coisa no lago, não consigo ver bem, é uma casa enorme, estou no corredor da entrada… Avanço até ao fim e vejo uma sala de estar, tem um sofá vermelho no centro e um tapete aos quadrados cinzentos e brancos. Nas paredes estão espelhos altos. Ao fundo da sala está um balcão de bar em vermelho brilhante. No sofá senta-se uma mulher loira dos seus sessenta anos e uma rapariga nova, a idade dela está escrita na t-xirt que usa casualmente. É de 16 anos. Apercebo-me sem compreender bem como que estou num bordel e que a moça é prostituta… Talvês não tenha 16 anos e a mensagem seja apenas para excitar a perversidade dos clientes deste estranho sitio. A mulher mais velha aponta o dedo para mim e diz, como se fosse óbvio, para eu ir mudar de roupa. Sem saber porquê, dou comigo excitada com a ideia de ser prostituta, sinto uma satisfação esquisita de ter sido colocada numa situação que nunca me atreveria a procurar. Dirijo-me a tremer de entusiasmo para a sala que ela indicou. Espera, eu conheço esta sala. A sala onde devo mudar de roupa é a sala da casa da minha avó? Isto é estranho, mas não tenho muito tempo para pensar nisso. Só espero que ninguem apareça. Oiço alguem entrar pelas escadas que descem no fundo da sala. Aperto os botões da camisa, mas já não dá tempo para vestir as calças… sinto-me tão embarassada. É o meu tio?

Olho para ele confusa, e a cara começa a distorcer-se. Sou percorrida por uma náusea que me deixa caír e perco os sentidos.

Vejo-me em criança e estou à procura do meu pai na casa dele. Estou cheia de medo, está muito escuro e eu estou sozinha. Alguem me agarra por trás. Volto a sentir aquela nausea, mas desta vez intensificada por um medo angustiante.

Acordo junto ao lago com um grito: AAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHHHHH!!!!

Que estranho… o que aconteceu… isto foram sonhos ou memórias?! Devem ser sonhos, o meu tio é tão boa pessoa, se tivesse acontecido alguma coisa eu lembrava-me.

Mas a nausea parece não ouvir os meus pensamentos, sinto-me podre por dentro. Como se tivesse comido… como se tivesse comido baratas, não, como se elas tivessem entrado pela boca e não houvesse forma de as tirar.

Sinto-me a perder a sanidade.

Respiro fundo, tento controlar-me. Foi só um sonho, isto já passa.

Toda esta viagem entre insectos e lagartos perdeu todo o fascinio e parece-me meramente um espelho da minha loucura.

Respiro ofegantemente. Crispo-me e faço um esgar de desespero. Começo a forçar o choro e a soluçar.

Olho para a água, e vejo-as… três baratas do tamanho de laranjas a passearem-se furtivamente pela sala. A dona do prostibulo em pânico. Eu costumava reagir como ela, engraçado, eu ajudo-te. Um pouco enojada, piso as três baratas que não fogem de mim quando me aproximo. Fico a olhar para elas a tentar perceber o que é que me causa repulsa, não consigo compreender, mas também não consigo deixar de sentir nojo. Ela grita da outra sala se eu já as matei, eu respondo que não, para ganhar tempo, apanho uma espécie de lama quente que escorre do corpo esborrachado dos insectos e barro-o a custo no meu ventre, acabo de me vestir. Ela entra na sala, mas eu já não estou lá. Agora apenas tenho de voltar ao Rei Lagarto. Não sei bem como… Estou sentada na mesma paragem de autocarro onde me sentei hoje de manhã. Espero o autocarro com uma inquietação sombria no coração. Sinto-me assustada com toda a estranheza do que vi e senti. Sinto-me incapaz de acreditar em tudo o que aconteceu agora que o meu mundo foi colocado em causa. Digo para mim mesma, vou esquecer tudo isto e tentar voltar ao normal.

Sinto um perigo latente em todos os segundos do meu relógio.

Lembro-me das palavras do lagarto: os homens sem o medo sentem-se perdidos. Sim eu percebo, tenho uma espécie de necessidade de sentir medo. É um hábito que me condiciona e não a realidade em si. Na verdade não existe razão nenhuma para me sentir assustada. O único perigo é entregar-me ao medo, mas eu vou ser forte. O autocarro chega, eu subo, pico o bilhete. Vamos a uma festa, diz um amigo que encontro. Como? Vamos até uma festa na casa de uma amiga. Hm, ‘tá bem. Ele sorri. O autocarro sai da cidade e entra no campo. Passado algum tempo chegamos a uma casa moderna no meio das árvores. Saímos. As pessoas estão todas enfileiradas junto a uma piscina. Não consigo perceber o que estou aqui a fazer. Este sitio incomoda-me. Á Espera, as mulheres do grupo mergulharam na piscina. O meu amigo apresenta-me à sua amiga, uma mulher muito bonita, morena. Ela simplesmente sorri, depois tira a t-xirt e mergulha na piscina. Reparo que ela tinha a mesma t-xirt do bordel. Ah! Ainda estou dentro do lago! A mesma excitação que senti antes atinge-me e apresso-me até à piscina. Subitamente fico com vergonha de entrar. As mulheres que estão lá dentro são todas tão bonitas, têm uns corpos fabulosos e os homens olham de fora admirando-as, vai ser estranho se eu entrar. O meu pai telefona-me, está assustado, assaltaram a casa dele, mas ao que parece apenas assaltaram o meu quarto… Tinha lá pouca coisa, algum dinheiro, ele diz que levaram o dinheiro e deixaram um saco cheio de espinhas de peixes. Espinhas? Comeram os meus peixes?! Malditos! Levaram o meu dinheiro e comeram os meus peixes. LEVARAM O MEU DINHEIRO…

Sinto-me tão deprimida.

Acordo a chorar junto ao lago.

Quero alguem que me explique isto! Grito pelo gnomo e ele vem de cabeça baixa.

Senhor.

Que foi isto? Onde é que eu estou?

A senhora está dentro da sua cabeça, este lago é um canal que vai da parte de trás da sua cabeça aos pulmões, onde se divide em dois e na parte de baixo destes forma um tubo que vai ligar ao intestino delgado. É chamado de trompa do Lagarto, porque foi criado por ele.
Que é que foram estas coisas que eu vi?

Minha senhora, foram sonhos.

Mas porque é que eu tive estes sonhos?

Porque aceitaste o desafio do lagarto. Ele mostrou-vos onde perdeste a vossa coragem senhora e vós haveis recuperado a vossa dignidade.

Não percebo… E porquê as prostitutas?

As prostitutas foram colocadas lá pelo vosso medo, pelo vosso desejo de ter medo, o vosso apego ao medo, senhora, como sabeis as palavras que usam no vosso mundo são muito ineficazes para falar sobre estas coisas. Ao matares as baratas, vós haveis vencido o medo e então recuperado a vossa dignidade, que deveis agora entregar ao Senhor do Sonho.

Mas eu senti vergonha.

Essa vergonha já faz parte da vossa coragem senhora, não sejais impaciente, o sol não se levanta ao tempo que nós queremos!

E a parte de terem assaltado o meu quarto, porque me sinto tão triste em relação a isso?

Minha senhora, nos sonhos nada é o que parece! O quarto da casa do seu pai é o seu modo de ser antigo. Os peixes e o dinheiro que lá estavam eram o isco que o medo vos colocava para vos prender. Como disse o Sr. Lagarto, Serieis recompensada se fizesseis a vontade do Senhor do Sonho e a recompensa foi eles terem destruido o vosso isco. Não mais poderás voltar ao que foste, mesmo que o vosso hábito assim o comande, esse é o prémio senhora. Agora chorais porque vos sentis perdida sem a companhia do medo, mas quando aprenderdes a reconhecer a coragem, então ireis ficar grata por tão generosa recompensa do nosso bondoso senhor. Agora, minha filha, devereis voltar à câmara do rei, ele aguarda por vós.















Ele aguarda por mim.

Im-Hem! Á-Guá! Dá-Lye-Le-Ya!
Ud-Ku-Kl-Kun! Op-Du-Ie-Va!
U-E-U...

                                                Guarda contigo o verão que sonhámos a dois.

Eu minto por ti.

                                    Saudades daquela praia no Algarve, deixar pegadas humidas na areia, ver o céu através da minha marca efemera na paisagem e sentir o vento frio molhar o meu corpo de areia e espuma do mar, e deixar-me enamorar das suas grandes ondas que tombam aucessivamente num estrondo ribonbante.
Crsh… sh-sh-ssss… Sh- Crsh-sh-sssss e os passaros ao fundo a voar solitários no império do sol, e nós cá em baixo, tantos e sozinhos. E as dunas como as curvas do meu corpo enrolado no teu. É só um sonho, eu sei, mas talvês fosse verdade, não sei.

Vejo um pau seco pelo sal e pelo calor, desvitalizado por eras ao relento em marés de excessiva humidade e agora deitado ao de leve na minha mão e perna. E este contraste entre o que sou por dentro, contra o que sou por fora, deixa-me vazia… ausente. Adormeço e sinto-me enrolar com as ondas… sinto-me ir com o vento, arrastada no turbilhão da rebentação e depois entregue à magia suave da corrente. Afundo deslizando, caíndo sem me defender. Afundo-me num abismo profundo.

Mãe…                                     Mãe…                                     Mãe…

Já nada me interessa aqui.



















O senhor lagarto olha para mim e é como se nunca tivesse saído da sua presença.

Levo algum tempo a aperceber-me de algo além daquilo que conclúi na primeira frase. Estou descalça. O chão está humido, não há luz, estamos numa espécie de gruta. O lagarto brilha por si próprio, um brilho simples mas fascinante. Eu também pareço ter alguma espécie de luz… azulada. Pareço um fantasma, a minha roupa são uns farrapos esbranquiçados, sujos com cores, azuis e vermelhos. Estou encharcada. Toco a barriga por baixo dos trapos, subitamente levada a confirmar de que trago o ingrediente. Não sinto nada!

Menina.

Ah… sim, Rei Lagarto.

Cumpriste a tua missão, o Senhor do Sonho está satisfeito.

Suspirei de alivio, afinal já me tiraram a pasta. Devo ter estado a dormir algures.

A menina tem conceitos errados acerca da Religião.

Hã!?... – tossi – desculpe?

A menina acredita que tudo é o que parece e não é capaz de pensar como o Rei Lagarto.

(não sei de onde veio a pergunta que fiz então, parecia outra voz que não a minha, como uma pergunta que tinha de ser feita.)

E como pensa o Rei Lagarto?

Criando.

Criando o quê?

Neste caso a ti, minha filha. O rei lagarto cria com o pensamento, quando aprenderes a ver o meu pensamento através das coisas criadas, poderás pensar como eu.

Fiquei intrigada com a explicação, e fiquei intrigada por ter ficado intrigada com a explicação. Havia algo de infantil em estar a escutar tão seriamente a minha imaginação do que um lagarto encantado diria. Peguei numa pedra e perguntei:

Esta pedra é a tua criação, então podes fazê-la desaparecer!

Se quiser.

Então faz, por favor, senhor lagarto.

Farei desaparecer uma pedra – A sua voz cresceu em força e profundidade, encheu toda a caverna com o seu timbre profundo. – mas não essa minha querida. Pousa-a no chão, criança.

Pousei delicadamente e olhei para o lagarto que parecia incendiado com o brilho dos seus olhos.

O próximo ingrediente que irás buscar é uma pedra muito especial, chamada no teu mundo de carvão fóssil.

Co…

No nosso mundo essa pedra tem o nome de Abhorrent.

Lembro-me de já ter ouvido esse nome…

Essa é a peça fundamental da coragem, mais preciosa até da honra que ofereceste ao Senhor do Sonho. Abhorrent transformará as cinzas num metal mágico e quando esse metal estiver pronto com todos os ingredientes, estarás preparada para capturar a luz das estrelas e então deverás entregar a tua obra ao Senhor do Sonho. Se em alguma fase do caminho te esqueceres de Abhorrent, então não serás capaz de completar a tua missão, pois quererás ficar com a obra só para ti. Lembra-te disso criança e não te perderás. Vai agora.

A porta dourada. Ok, já percebi, isto é simples. Agora só tenho de olhar para o lago, certo?

Vamos a isso.

                                                                                    Tocaram à campainha. Que susto! Quem será? Não vou atender. Uau, que estranho sonho tive. Que horas serão? Porra, tocou outra vez. Será que é por causa do barulho que fiz? Meu deus. Que experiencia halucinante. Tenho de escrever isto.







O Cubo


Fechado no sótão de uma casa muito antiga. Todos morreram e só eu resto entre os espíritos abandonados de uma família que nunca me conheceu. Ruídos secos do vento na madeira apodrecida fazem ranger este lar de outrora. Outrora aqui viveram espíritos alegres, hoje espectros de uma solidão sem fim. As teias de aranha desenvolvem-se complicadas sobre memórias, essas simples, de um passado sépia, mas nem por isso apagado. Vivo como chamas no meu olhar. Olho-vos através de um espelho baço, onde o meu pai se costuma barbear, a minha mãe maquilhar, a minha irmã dançar, o meu irmão passar apressado para a cozinha, comer qualquer coisa e sair. E eu sentado à espera. Esperar qualquer coisa. Aconteça qualquer coisa que me faça viver a vida simples dos outros à minha volta.

E esta faca que repousa na minha mão, contêm todo o mistério dos seus símbolos.

Se ao menos ela tivesse boca.

Castiguei-vos por serem diferentes de mim. Não, eu castiguei-vos por serem demasiado semelhantes. Na verdade eu só me castiguei a mim mesmo por ser tão insignificante.

Agora vocês estão felizes, como sempre estiveram, e continuam a representar as mesmas rotinas em frente deste espelho habituado a reflectir-vos com exactidão. Só a mim ele hesita em reflectir. Se alguma vez eu merecer o vosso perdão então eu partirei ao sabor desta mesma faca. Até lá castigo-me observando-vos aparecer e desaparecer em frente a um espelho embaciado.

Todavia, aqui estou eu, sepultado, crucificado, sem deuses nem desculpas.

Sou um sapo desesperado.

É isso, acertado.

Feri-me mortalmente e neste limbo de meia-morte fundo-me neste espelho. E este espelho que agora te reflecte é a alma de um assassino e suicida. De um covarde. A verdade não é mais tua, nem de ninguém. Neste espelho só verás sombras do teu passado. Reflexões inconscientes.

Já chega, basta, abandona este livro.

De que te serve leres estas linhas, alimentares-te de sofrimento..?


…Silêncio…

O silêncio é verde.

Lembro-me de passear sozinho no campo. A minha cegueira impedia-me de saber que coisas estavam lá fora. Tinha de ir trabalhar todos os dias para sustentar uma família que me odiava… Mas eu, o espírito do silêncio, caminho pelo bosque como pela morte. E por isso aprendi a compreendê-la. Cada animal era um professor, cada arvore uma amante, até que um dia conheci uma mulher que foi os dois numa só.

Criei com ela uma dupla amizade de aluno e apaixonado, e ela amava-me sem palavras. Só com toque e cheiro a conheci. Amávamo-nos na floresta e no celeiro, às escondidas, até que tudo se descobriu. No breu que sempre me inundou, ouvi gritos de “bruxa”, “ladra” e outras coisas, ela era tão odiada como eu.

Disseram que nos queimavam aos dois, mas só os gritos dela arderam. Eles sabiam que o meu sofrimento seria maior dessa forma.

Agora já não sei se sabem, não faz diferença…

Posso parecer louco, infeliz, e sou-o de facto, admito. Permaneço neste espelho para sempre como uma lembrança de uma historia, tão trágica, quanto bela, que o tempo jamais apagará.


























Entranhas








No ventre de Tiamat a hora das sombras que abraçam a loucura de viver a inconsequência total dos actos. Almiscarada e reduzida a pouco a tua importância no ventre da Noite:


O Caminho pode parecer perigoso para alguns, mas conto-te a história do diabo, perdido numa casa que Deus abandonou, desesperado, e Deus explicou-lhe o caminho para fora de casa. O Diabo não foi. O Diabo disse “O caminho é através destas paredes”. As paredes racham e passamos de mãos dadas, a noite desce como uma sombra sem limite, como cadáveres, como sangue, como as sombras na aba do meu chapéu, e toca-nos nos ossos, de onde crescem pequenos filamentos de serpentes e escutas já o rugido dos comboios. Os vácuos dos túneis que se bifurcam de vazio em vazio.  .

Tu e eu, unidos como carne e osso, ao luar, cantamos e dançamos, como luz vermelha passamos agora pelas paredes que sangram, e filho, as sombras na aba do chapéu e a minha esfera não são 2, é nelas que descanso os meus olhos, é nelas que as luzes não me atingem.

Trezentas vozes parecem ecoar com o vento contra os muros desta ruína, descemos… As paredes ruem, sim, as paredes ruem e trespassa o vermelho por elas, como se fosse sangue teu e tu fosses as paredes derrubadas.

Vestimos a pele do urso e do leopardo, bebemos do licor do ventre nocturno e inspirados, partimos à caça.

A nossa presa esta noite esconde-se no borbulhar sulfuroso do pântano.

O Ego. Munidos de perigo em lanças afiadas de espelhos de vultos sombrios penetramos na selva, guiados pelo vento, tu e eu velozmente enfrentamos o caos. E como uma sombra insuspeita cercamos o inimigo, como traças se acercam da chama em suicídio, mas sem medo amigo. Tu e eu tocamos nos ossos e ouvimos o lamento pesado do mundo e um cubo negro forma-se daquela lama que o envolve. O cubo negro suga a luz da lua e tu e eu ficamos a sós com o predador. Eu oiço o som do vento, e tu o que ouves? Concentra-te amigo, juntos conseguiremos perseguir a fera mortal. E eis que célere como um raio vejo um insecto rastejante, veloz brilho de prata, escondendo-se atrás de mim. Vejo-o através do reflexo na minha lança. Num impulso fico tenso, agacho-me e suspendo a respiração, mas não foste derrotado sequer, eu passei por ti para passar para ti e foste tu que passaste em mim.
Nunca mais serei igual,
Interrompemo-nos
Para parecermos coesos
E também eu não quero morrer..
Através da espiral de carne eu perdi-te amigo.
Parti com os ossos quebrados e um desgosto do fogo fatal.
Sei que te vais lembrar de mim e que um dia, que dia for,
Tu vais suspirar como eu e admitir derrota.
O anel de fogo cercou-me quando pensava que tinha vencido
E subitamente apercebi-me que não era ele que eu tinha morto,
Mas o meu filho.
Por isso eu desisti, e sorrio ao pensar que ainda tentas por mim.
Esse esqueleto do que fomos e sempre seremos
Nunca há-de desistir. Ele perdurará através do tempo,
Confundindo-nos os instintos, incinerando as ideias de pavor,
Prostituindo a nossa fé, assassinando todos os que amámos
E até sozinhos perante a morte ele há-de conseguir
Distrair-nos com qualquer futilidade, aparentemente
Significante.
… …



XAMÃ que imitas os pássaros que vestes as penas de papagaio que animas os animais do deserto e os espectros da morte e que danças com os paralíticos do exílio e que repugnas qualquer mulher que seja bela e que acolhes o repugnante e criador de lagartos mestre da mãe e do pai e regador de sangue e amor e cântico o mundo dos gigantes sobre nós os passos como batida de coração. Parado, cantas no trovão, parado. Sabes bem que te amo. Deixa-os gritar, os chacais, as hienas, as aves os lagartos e os vermes, porque todos saúdam o sol que se pôs. E tu, dentro de mim: a Noite. As veias.



Interrompeu-se a ânsia
Interrompeu-se a bonança
Interrompeu-se a luz
Interrompeu-se a treva
Interrompeu-se o fim
Interrompeu-se o meio
Interromperam-se os esgares
Interrompeu-se a manhã
A chuva, os olhos abertos
Com fundos de mundos
E paisagens de luar
Interrompeu-se o fado das ruas
O choramingar miudinho
A agua que corre, o inverno
Que morre.
Interrompeu-se a sombra
O clarear e o mar.
Interrompeu-se a misoginia
A loucura e a segurança
A batalha, a paz
E a esperança.
Interrompeu-se a sedução
A voz, o perdão
O inferno, a condenação
Interrompeu-se tudo
Lashtal a agua, Lashtal o inverso
Lashtal de branco, Lashtal a sobra
Lashtal a cruz, Lashtal de mim
Lashtal a terra, Lashtal a gémea
Lashtal o sim, Lashtal a bonança
Lashtal os ovos, Lashtal que trás
Lashtal que mata, Lashtal que espeta
Lashtal os afectos, Lashtal de erosão
Lashtal os mudos, Lashtal que penteio
Lashtal o mar, Lashtal da coroação
Lashtal de mulheres nuas, Lashtal de serem tuas
Lashtal o dinheiro, Lashtal o cinzeiro:


Felicidade aparente, destinada a corromper-se no fluxo ignorante dos nossos erros.

Desconforto, voz de morte, tentamos sempre mudar, melhorar, sair do ponto 0 que somos.

Olho para dentro, manipulador, criança desesperada aos gritos no recanto inacessível da mente.

Introspecto o desconforto, o Palácio de Marfim, Prisão dos nossos Sonhos de infância.

Musica alegre que o campo parece produzir com as suas flores, Oh Negro Senhor do Sonho. Ser azul quadrado. Inseguro, eu caos absoluto, deixo manchas de sémen caídas ao acaso, assegurando o alívio do pensamento. Ficas indignado. Tornado azul, fome: ser humano, sempre confinado à ilusão de sentimentos distorcidos pela raiva das marés, injuriado, nunca satisfeito com todo o milagre inútil que te foi confiado, afunda-te, por nada, sem propósito continuas a estrada sem solução ou razão na lama cinzenta do Ego. Desilusão, não há nada pelo que valha a pena lutar, tudo está perdido desde o início. Culpa. Escravidão. Desconcertado. (In)criado. Desconcentrado. Mais uma desilusão. Mais uma desilusão. Mais uma desilusão… mais uma… Flui através das nossas feridas auto-infligidas, sacrifício inútil, para quê?... Desiste, para quê? Mais uma ilusão. Linha exacta, reflexo oblíquo à tangente curva do vértice precipitado no limite finito do corpo. Ao redor destas palavras sem sentido ele continua a sua obra. Não desistas, a desilusão há-de ser explicada e eliminada. Fundo. Cresce a partir do fundo e pode ser que encontres. Em vão não será a tua busca. O Guerreiro nada espera em recompensa, cego e louco, ergue-te da negatividade, nunca repouses no conformismo, resiste à inércia e age, não pares, tu vais conseguir atingir a pedra oculta, sempre houve quem conseguisse, e tu, Ó Universo Manifestado, tu vais conseguir, tu vais destruir o inimigo, o caos há-de ser iluminado perante a criança inocente que reviverás dentro de ti, eu procurei-te filho, o Negro Senhor do Sonho indicou-me a tua presença especial entre os exércitos dos vivos e eu encontrei-te filho, no Palácio de Marfim, onde aguardas-te tanto tempo por mim, agora somos um, recém-nascidos, livres do Manipulador, livres de tudo, viajantes puros do vento, entregues ao sol, à lua, às estrelas e à terra. A voz da morte despiu-se e revelou a sua face oculta. Somos dois, somos um, somos nenhum, xamã na canção da manhã nos fumos de ver no sonho do negro senhor a aranha que coroa a sua cabeça é o fio infinito da origem do meu sonho e tu que me amas, que és a minha doce namorada, és o cinto e a estrada. Ah! Lanço-te ao estrato desértico de areia e dança com ímpeto a tempestade e canta o trovão e derruba até a areia destrói o deserto e eleva o solo como poeira e depois fumo até às estrelas. Eu sou o chão que tu pisas. Dança! Dança!! DANÇA! Destrói-me e abraça-me, canta as casas e as pedras cantam as casas e a lama cria moedas e dedos e corpos e velas acesas que brilham os rostos ossudos da morte no templo de ti e de te amar como se fosses a vida de te olhar como o corpo paradisíaco e sereno da morte cantar-te e outra vez cantar-te como as correntes que fluem em rios de estrelas que se fundem em rios de estrelas que estalam no fundo do soalho de madeira com a música do xamã a ecoar de todas as salas do cosmo somos gigantes o mundo cantado somos gigantes e o
TAMBOR É O TEU SEXO


Não há destino, há Livre Vontade! Cria… TU dentro de mim nas veias do Sol Negro que se fazem escorrer do trovão parado no olhar do Mago, nos braços dela, amo, amo-te, vem e nunca te esqueças que o tempo nos distorce mas que é ele que se submete para sempre à nossa marca e nós marcamo-nos com a nossa marca, e tu e eu somos pacto, anulamo-nos, amamo-nos.




Estavas tão triste quando te vi às portas das portas das portas no vulto da criança violada por todas as portas não há solução, e é por isso que eu sou procurado: a tua mão nunca tocará, porque o sonho da liberdade pela divisão nunca passou pelas portas; a tua mão nunca tocará outra mão.



Flor de Fogo, cintila púrpura, pequenos desejos que se acendem.

- Ardes sem Estrela.

Um dia encontrei um fruto suculento em forma de vagina.

- O Mundo era para ti.

Seis pirilampos encostaram-lhe as patas formando um hexágono perfeito.

- Se a solidão te consumiu.

Uma onda de penetração impulsiona-me contra as reentrâncias da tua carne.

- Desculpa se pensaste que a vida era para ti.

Digo Olá, mas apenas oiço o eco ininterrupto do meu pensar.

- Desculpa se te fiz pensar que eu existi.

Nunca paras para pensar enquanto lês? Nunca paras para visitar as criaturas que invoco?
Pára um pouco, peço-te. É tão triste estar aqui dentro de ti e sentir-me tão sozinho.

- As regras, desculpa.



Círculos azuis, com bolinhas cor-de-rosa pintadas no interior do teu crânio, aqui e ali vermelhos. Em cada núcleo destes círculos um olho que me espreita. Digo Olá!…mh…Olá! Com esforço dois lábios grossos formam-se das reentrâncias da tua carne. Fala, tu consegues, eu estou a ouvir, oiço um som azul: OhmmOHmmm, uma vibração intensa, vejo uma cidade à noite, luzes como estrelas, o cheiro a floresta, elevo-me nos poemas de encantar que recitas no silêncio, sobrevoo o nevoeiro que desce da montanha. O horizonte invisível retira à percepção o contorno esférico da terra e do cimo do castelo pareces habitar um enorme rochedo flutuante. 

Arrepende-te, disse a voz. E eu cai na opulência de coisas que eram sobre mim, por cima de mim. Sei hoje melhor, acabei na vivência de ser, para que nada seja sobre mim, por cima de mim, e eu esteja abaixo de tudo, como pó cósmico, e triturado por tudo, acima de tudo. “O fim das palavras” anunciou ela em cada palavra, e o seu marido brincou com a oferta que ela roubou dos homens, para os infernos, as palavras.

Vejo um rio, quase seco, correndo através da noite.

“A inocência é experiência” disse o Índio, e deixou de haver ruído na sua mente nobre.

Fala… Eu continuo a ouvir-te…

“Matemos a vida, evacuemo-la como uma inundação que cai nos abismos, e depois, ela nunca mais nos impedirá de viver” eram estas as palavras, derrotadas no acto de dizer.

Digo olá, e vejo uma fada saltar de trás de uma rocha. É a minha forma de te ver.

Primeiro eu temia muito estas coisas, depois a mudança veio e despiu-me de receio. Orei a deus nenhum, porque não desesperava com a mudança, e todos os deuses vivos, verdadeiros, são mudança, e outros que são sono sem sonho, e outros que são sonho sem sono.

Aqui e ali, surgem mais fadas, à medida que te enrolas no encantamento das palavras.

Só há uma forma de enganar o diabo, com o brilho no olhar. Eu dou-te a anarquia, a primeira e a ultima senhora dos homens, aquela que governou sempre em segredo. E tu deverás escrever sobre anarquia 3 vezes com uma caneta de 3 cores.

Círculos de luz, como auras emanam dos seus corpos cor de sol.

Eu dou-te a loucura que prevalece sobre a razão. Dou-te os cães que perseguem os homens à porta de todas as igrejas. Dou-te a via das coisas serem sem ter de fingir, fingir sem ter de ser. Vendes-me a alma toda, porque ela nunca será recuperável para ninguém, e por isso é livre, impossível de apanhar, seguida por todos os ventos como a que se aventura primeiro para lá do limite humano, na calma e na tranquilidade, quieto, amado, eterno, vaidoso e ousado, arranca a carne dos caídos e constrói um templo ao Leão.

Não pares de criar com o teu terceiro olho, eu continuo deste lado. Secretamente puxo-te para aqui, e agora és tu que escreves e eu que sonho. Lindas luzes brincam com as minhas fadas do sol, são dragões vermelhos, enrolam-se nelas como chamas e elas voam, com rastro de fogo de artifício e estalidos musicais. E agora estão bem alto no céu, e a terra é como um lago numa cratera. Explode em cada segundo um coração, e os meteoros cruzam a atmosfera e sobre eles a surfar vão os homenzinhos verdes, e eles continuam a acenar e a dizer coisas estranhas, quando sentado numa cadeira, aparece um senhor de negro,


E ele diz:

    ●

Criança, vê, esta morte que nos deu voz de tigres mesmo sendo homens, que nos deu fome mesmo se antes eramos anjos, o sol há-de arder Negro para sempre.

Cada espécie cheira a sua própria extinção e agita-se em convulsões cegas, o teu futuro está escondido através do recorte da minha silhueta cúbica no horizonte.

É a visão do fim que leva os homens ao fim, esta consciência atroz: toca-me e ficarás cega, foge de mim e enlouquecerás.

Vem, eu vou preparar-te para o enterro.
A Mãe espera por ti…
Ela foi amarrada em pensamentos de indiferença.
Á luz da lua vê as pequenas crianças sapo a pintar e a desenhar o seu mundo.
Ela procura chegar a si mesma pelo seu próprio sonhar, escreve, à procura de ser o escritor e apaga-se nas letras, porque esse é o acto de escrever. Mas também é isso que é ser escritor.
Os sapos, agachados, pintam com aguarelas e os lagartinhos rezam a ela, de vestido de noite branco ela canta, serena. Volta-se, à janela, de cabeça para baixo e pernas para cima e ri-se.
Os homens gritam de agonia, dor, e volúpia.

…Shhh…
Vou guardar os teus olhos numa caixa, para não teres mais medo da verdade.
Vou abrir a tua língua ao meio, para não duvidares mais do nosso Amor,
E com as tuas veias, vou fazer um cesto, para levares para o túmulo alguns frutos de Caus.

Ser-te-ão úteis, minha filha.



Tocamo-nos, e tocarmo-nos é o acto de nos abandonarmos, de partirmos, tudo o resto é nem sequer chegar a tocar.


Somos todos condenados à morte.

Todos menos, minha filha, o Corvo.

O corvo vê tudo sem se esquecer,

Porque a morte não é mais que o esquecimento.

Estas foram as ultimas palavras que ouvi, depois tudo o resto foi um vulto desconexo de pânico no silêncio e horror, cortado pelos grunhidos loucos de um monstro. Abhorrent era o nome desta criatura que eu devia visitar, antes de estar preparada para a mãe.

Felizmente estava cega e não pude ver nada do que me aconteceu lá em baixo, apenas senti.

Só recuperei o discernimento quando enfim abandonei o meu corpo. Por quantas eternidades fui eu vítima de uma tortura tão horrível. A carne é dor. A vida é sofrimento… e aprendemos da maneira mais difícil. Ao longo de tantas encarnações cada um dos nossos nervos exercita os limites mais exuberantes da dor. Aprendemos a evitá-la, a distrai-la com prazer, mas isso é apenas uma intensificação da própria dor… e depois vem o sonho, o sonho permite-nos suportar até as dores mais profundas, mas quando vislumbramos a decepção, então apercebemo-nos de que tudo foi só uma cilada para conhecermos na pele um pouco mais do sofrimento do mundo. Não entendo, agora, porque tememos tanto a dor física. Ela é tão libertadora. E a morte, comparada com a vida, é relativamente simples. Vê-mos tudo à distância, e tudo nos parece triste e vão. Andar em frente deixa de nos fazer sentido. Até se houvesse aquela luz com que nos foderam o juízo – uma mera desculpa para a vida – finge explicar a dor, quando na verdade é só mais um plano do Arquitecto para a intensificar. Então livremente livres da estupidez da sanidade e do crime da lucidez, olhamos para trás e enamoramo-nos de alguma culpa ou saudade que escapou ao aborrecimento brutal do desgosto e da desilusão, e elevamo-nos nesse namoro à nostalgia infantil. O último esgar de cinismo amargo desvanece e damos por nós a adormecer no sono de desejar estar vivos outra vez – e tudo recomeça – é assim tão simples.

E então eu parti, sem saber o que esperar desta vida que se aproxima. Não posso deixar de vislumbrar ao longe um certo medo, é um hábito ter medo do que não se conhece… um hábito difícil de largar.

Enquanto eu espero o autocarro, leio as notícias num tablóide de um jornal esquecido no banco da paragem. Diz qualquer coisa sobre uma miúda desaparecida, diz que os pais a mataram, eu acredito, faz-me lembrar a minha própria história – rasgada pelas asas de um corvo. Doem-me os olhos, não sei ao certo se tenho sono, mas sinto-me exausta. Não quero pensar no amanhã, mas estou tão inquieta que não consigo pensar noutra coisa. Dou comigo a rever, uma e outra vez, tudo o que aconteceu e entre as imagens, as palavras que se repetem e o poderoso vulto de sentimentos em chama, eu disperso-me por mil caminhos de pensamento e em cada um deles vou perdendo o sentido, e as palavras já nem se articulam com suas sílabas, são vagas impressões de qualquer coisa que me aborrece. E imagino-te do outro lado, a escrever linhas de poesia sobre mim. Sinto-me tão triste. A tristeza é a única nitidez que possuo – tudo o resto é fumo. Tento recriar o conforto da presença da mãe, mas as lágrimas regressam (o conforto não), fico com um nó na garganta que mal me deixa respirar. «disseste que nunca mais me separarias de ti». Eu sei… todas as promessas são falsas. Nunca nada acontece da mesma maneira. Que sentido há afinal para tudo isto? A visão de uma rua banal torna-se extremamente confusa para mim, os seus rectângulos jardinados, as pessoas a caminhar em linha recta, os carros a pararem nos sinais, o sol a resplandecer nas pedras da calçada, todas estas coisas me parecem tão caóticas, como miríades de universos a seduzirem-me com os seus segredos ocultos e eu nem energia tenho para pensar no caminho para casa.

Seguro-me ao caderno onde tudo isto está escrito. Eis a arma que confere sentido ao meu mundo. Eis a arma com que tocarei os corações dos descrentes. Eis a arma que irá transportar-nos a todos para o outro mundo. E eu sou a sua mensageira. Abro caminho para a criança lagarto que iniciará o novo império. Sou o espírito do corvo cosendo as linhas da vida com as da morte, sou o espírito da solidão vagueando misteriosamente pelo mundo…

Mas para mim, outro destino estava guardado. Depois de ver tudo isto, sou levada à presença de um falcão. Dizem que os corpos têm uma alma e que essa alma sobrevive à morte. Essa alma nada tem de misterioso, é a tua mente. Ela funciona muito melhor sem o cérebro, que foste ensinado a acreditar que a suporta, na verdade o cérebro é como uma jaula para a mente, ou um jarro se preferires um eufemismo. É verdadeiramente delicioso aquele momento em que o jarro se quebra, em que o senhor da vida concede as chaves da gaiola ao sombrio espírito da morte. E aqui estou eu de frente para ele.

Não sinto medo. Sinto talvez receio de não estar preparada. Nunca fui diligente nos meus estudos de magia. Nunca tive fé nas religiões. Sempre me senti amaldiçoada pelos espíritos da natureza. Neste momento estou totalmente desamparada.

Ele olha-me nos olhos, como se os tivesse, ele vê através de mim.

Sinto-me bem.


            O tempo fica leve.


                        Tudo para.




                                    Nunca houve nada a ganhar




                        …sorrio…


Afinal não tinha nada a provar a ninguém





                        …porra…


…Não existe nenhum juiz no céu…




Sou transportada para a boca da minha mãe. É tudo tão bonito aqui… Vejo sem pressa tudo o que podia ter sido se soubesse destas coisas… merda, como a vida podia ter sido diferente se a morte não tivesse um véu. Talvez a dor não nos dominasse tanto. Talvez nos divertíssemos a explorar o corpo e a natureza, como quem voluntariamente explora os poderes de um automóvel, sujeitando-se temporariamente aos seus limites. Não haveria necessidade de desesperar, como se fossemos ficar trancados para sempre. Vivemos com uma bomba relógio colectiva, mesmo que subjectivamente possamos adivinhar um sentido diferente para a vida, somos vítimas impotentes de uma maré irresistível de medo e superstição histérica. Que loucura foi a minha vida! Minha mãe, porque é que nunca me abriste os olhos?

Vejo gotas de liquido quente descerem e envolverem-me, ah, são recordações. Olha, o Pedro a ressonar no quarto dos meus pais e eu… eu estou a ver-me a mim própria. Ah, já sei, foi quando tive aquele sonho e depois comecei a ler livros sobre ocultismo. Olha eu e as minhas amigas bruxas, tão parvas… ficávamos sempre tão nervosas quando alguma de nós levava aquilo a sério. Julgávamos logo que estávamos a enlouquecer. Nunca soubemos em que lado estava a verdade, e acabámos por cristalizar as 4 na futilidade que desprezávamos. Engraçado, eu sempre soube e não consegui fazer nada para evitar ser levada pela ilusão do mundo. Fui levada pela corrente, como uma ovelha… que vergonha… que desperdício.

Estou triste mãe. Nada faz sentido… Apaga estas memórias. Deixa-me estar sozinha um momento.

Nunca mais me separes de ti mãe – e quantas lágrimas me vêem quentes aos olhos…

Mãe! Nunca mais me separes de ti.




E assim falou o Corvo:

A noite tocou-te no interior dos ossos,
A tua medula tornou-se numa fibra de plástico
E depois óleo queimado. Tu viste esta onda
De fogo consumir-te por dentro e permitiste que
Tudo isso se tornasse visível. A face do
Antigo cresceu dentro da tua, removendo os
Ornamentos da expressão do seu lugar habitual.

O olho direito deslocou-se para a testa e o
Esquerdo enterrou-se no crânio. A tua boca
Transformou-se numa vagina, penetrada
Pelo falo da tua imaginação, e do nariz
Cresceu uma serpente que se enrolou à
Volta do pescoço e desceu reentrando no
Teu corpo através do ânus e aí em
Espiral percorreu a tua coluna preparando-te
Para a derradeira viagem da solidão.

O mundo encolheu-se e formou uma escama
De dragão e a mãe colocou-a na pele do
Lagarto. E o lagarto-falcão ergueu a
Sua cabeça e olhou-te no olho.

Tornaste-te uma escolhida do vento.

A voz dos antigos tornou-se viva através de ti.

Os teus ossos foram depositados no cume de uma montanha,
E a tua carne entregue aos chacais.

E o caos que restou de ti foi-me entregue.

E com ele eu escrevo na tua pele o sigilo
Mágico que alastra como uma queimadura
Que te acompanhará, onde quer que te
Encontres, para que não te esqueças
Da tua missão.

Tu tornaste-te uma de nós, e a mãe lua
Sugou todas as gotas do teu sangue.

A tua alma infinita tornou-se vazia
E tu serás para sempre o espírito da
Solidão, o viajante no deserto.

Em cada face que encontrares verás
O teu espelho, e cada memória
Que reanimares será povoada
De insectos, para que nunca
Te esqueças de quem és, e
De onde vieste.

Para que nunca te esqueças de onde vieste.

Onde a centopeia fez a sua casa.

O sopro antigo do deserto toca na tua
Essência como um sino, e o som
Faz vibrar as tuas partículas, tornando-te
Audível aos invisíveis. E os mortos falarão
Contigo através dos sonhos pedindo-te
Que os ajudes nas suas missões. Sem
Te aperceberes criarás elos de ligação
Entre a vida e a morte e serás procurada
Pelos desesperados, pelos sem sonhos,
Pelos desiludidos, pelos desabrigados,
Pelos incrédulos e acima de tudo
Pelos falsos. E em todos eles criarás
Espelhos e para todos eles serás uma
Serpente mortal. E o teu amor
Criará fadiga e levará o ego à
Loucura. E sem te aperceberes abrirás
Caminho para o rei lagarto, e sem
Te aperceberes chamarás os seus
Escolhidos ao ventre da mãe. Tudo
Isto será de ti velado para que não
Cresça em ti o perigo do orgulho
Que torna a alma numa pedra
E a impede de seguir a sua
Viagem. O orgulho ser-te-á
Negado a cada esquina e verdadeiramente

E só poderás ser livre quando te reconciliares com o espírito do corvo.
Até lá minha filha, só colherás uvas amargas,
E eu cobrirei a
Luz do sol e cercarei
O teu caminho de espinhos, e deixarei
Uma pedra à entrada das casas onde te pretenderes abrigar.

Para que te reconcilies comigo.
Que assim seja,
Até ao fim do ultimo dos teus dias.




Um silenciador é o pré-requesito para a bala disparada. Ficar calado, ficar em silêncio, e no silêncio, executar os actos. O ruído é a corrupção dos actos, a fricção no movimento dos actos. Amar também é assim. Amor é dinheiro, mas o dinheiro não é amor. Desculpa se te cego agora. O amor manifesta-se no silêncio e no ruído a divisão do amor e do ódio. O poder é um tiro mudo, o reflexo do poder são escolhas e ruelas que se entrecruzam com ruelas. O trajecto da bala é um, certeiro, furando os muitos. Os reflexos racham o um, quebram-no aos pedacinhos. Somos nós, a luz vermelha nas paredes sangrentas. O mar navegado pelos mortos, esses mortos, que são silêncio, esses mares, que são o estrondo. Agora, o mar e os mortos somos nós, mas qual é qual?
…Shhh…
Morre agora
Afunda-te
S   CONCHA   A
CONCHA
CONCHA
L



As Coisas que Me Rodeiam Quando Escrevo

Coloco uma colher sobre a Cadeira Negra que arrastei para perto do fogão.

Uso um tacho com milho que apanhei no Mosteiro em ruínas, coze em lume brando.

Abro a Janela, só uma fresta, para ouvir o zumbido do vento e

Preparo o espaço para a dança dos Espíritos.

Eu fundo-me no Espaço e danço com os espíritos,

Ao Som de sinos que pendurei na minha roupa.

Eu transformo-me numa estrela rodopiante e vou

Queimando tudo à minha passagem, com a Colher recolho as cinzas, e volto a ser

Estrela em dança espiral,

Por mim inflamada a Vela pegou fogo e arde como uma tocha,

Rodopio os Sinos à volta das chamas e espanto os demónios do medo

E da frustração, destruo Quadros, televisão, livros, copos e outros instrumentos diabólicos,

Como um furacão que arranca do chão Pedras e as lança pelo ar… dançando eu

Crio uma Serpente e vou

Tecendo Poemas ao luar

Com o meu Bastão de fada

Transformo o Milho num duende e lá vou eu para o outro mundo

Levando apenas Fósforos e uma colher de cinzas

Da Razão.

O duende tem uma Pena de melro no chapéu e leva um

Osso em cada mão, o seu casaco é

Negro, ele diz que me leva ao seu senhor.

Senhor do outro mundo, senhor do

Sonho, ele diz que tem um

Pentáculo onde aprisionou o sol e a lua, ele diz que o

Senhor precisa das minhas Cinzas para compor

A Criação, a criação de um mundo sem

Papel, sem

Canetas, onde os

Símbolos não existem, neste mundo as

Sybils morrem atrofiadas, e delas nada resta

Senão Conchas.


Mudemos, como as rodas mudam, como eu fico, modifico.
Tristeza invade-te, por amares ser amado, toda a tristeza provem de se amar ser amado. Cala-te, homem, que amor tiveste tu, sempre ocupado em te ocupares de te fazer amado, e quem pensas que te terá amado, se os teus vivem nessa tua condição? O amor é mais que dinheiro, o amor é o mealheiro.
…não chores…


Barro cinzento esculpido
A imagem da mãe e do menino
Em máscaras de gás
Nuvens de poeira.

Porque é que todos te deixam?
Porque é que ninguém te ama?
Porque é que tu dormes?
Porque é que existes?

Sozinha em frente ao mar
Devagar assobio ao vento
Quente do Verão que passa…
A Nostalgia fere-me os sentidos docemente

Porque é que ainda amas?
Porque é que sobrevives?
O que te faz mover?
O que te leva a morrer?

E apaga-me aos poucos, deixando apenas
No horizonte uma antiga fotografia do pôr-do-sol
E uma melodia sem graça, mas triste.
A saudade caminha comigo ao longo das dunas cinzentas.

O que trazes no peito?
A que silencio te agarras?
Porque me fazes isto?
Porque não te libertas?

Vale deserto onde a luz vai e vem
Nas mãos das nuvens de fumo.
E as gotas da chuva de Verão batem vermelhas contra a janela
Incendeiam-me por dentro como se fossem fogo,

Porque agonizas?
Porque é que todos te confundem?
Porque nada te esclarece?
Por que caminho te condenas?

Choro com elas e caio por terra
Todo o meu coração é uma brasa acesa na chuva de Verão
Um lago imenso, com ilhas-rochedo, no fogo-aceso do pôr-do-sol
Espelho de mil cores, azuis violetas vermelhos, fénix
Contra a cinza-memória da rocha e seus esconderijos
De caranguejo. E os cavaleiros de fogo que ainda acreditam num novo mundo…
                                                                                    [no amor…

Eu já não… e eu sou tudo isto.

Porque sorris? Porque subsistes?
Porque não dormes? Dorme! Dorme!

Uma memória que fecha os olhos lentamente
E que se prepara com amor para um longo Inverno.

Oh que paixão delicada, por gelo, azul e branco
Estalagmites, montanhas geladas! Vales cobertos de neve…

Vem outono, vem inverno,

Leva-me.


É impossível dormir assim, e tu sabes melhor que ninguém. Os exponentes máximos reduzidos ao vazio, e dai, ainda mais elevados. Podia até ser? Mas e tu? Morrerias. Estás destinado a morrer porque ninguém te ama para sempre, nada em ti é para sempre. Porque chegas mesmo a mexer-te com o vento e a soltar este ruído, espantalho, porquê? Ensina-me a amar-te com um amor que te resgate da morte, e que se foda tudo o resto. Cansamo-nos por não dormir e por estarmos cansados não nos resta a energia de dormir, porque DORMIR, DORMIR é o acto que necessita de um golpe certeiro.

Anda cá, a gente só se ama, que mal tem? Dorme comigo. Se unirmos forças conseguiremos, conseguiremos adormecer. Ama-me só mais um pouco. É que ninguém nos ama, principalmente os que pensam amar-nos.

Escuta o som do talher. A lagarto tem-nos para o jantar. Como é que alguém nos há de amar? Não existe ninguém que não seja uma escama d’Ela. Granulado para o mundo, somos granulado para a boca do mundo.

No fundo está tudo aqui; nas manchas de sujidade que tu vês, quando olhas para o chão, e tudo aqui, quando nos ficamos a olhar e as manchas somos nós. O chão teria sido tudo bem, não fosse pela porcaria que somos sobre ele. Eles amaram-se com tudo, e tu o que deste ultimamente? Risos de Joker. E achavas-te importante. Mas sempre que te ris assim, é o Joker que se esta a rir de ti. Deixa-te de brincadeiras miúdo. Onde está a tua dignidade? Aprende a largar-me porque eu sou o Joker e tu sem mim não és ninguém, mas comigo, comigo és uma farsa de alguém. Quando eu acabar de te mostrar tudo vais preferir não me ter conhecido. Eu sou os vómitos que tu vês, no chão, na rua, e nada mais. E tu, o que és? O que é que vales? Porque te prendes a mim se sabes que não tenho nada para te dar? Que amor ou medo é esse? Sou eu que te digo, larga-me, porque eu quero morrer e porque o amor que te tenho ao sacrificar-me por ti é a única coisa que tenho.

…Não, não partas!
Sem ti seria o fim de mim!
E se tu viveres sem mim talvez essa ultima e primeira e única coisa que tenho possa prevalecer! Onde foste? Que silencio é este? Porque falo sozinho? Quem pintou os teus nomes nas pontes das cidades desertas e quem rasgou os nomes das ruas para colocar a ausência do meu nome? Porque é que tu te chamas todas as pessoas e não te mostras em nenhuma? Porque me condenas a isto? Eu já não estou zangado contigo, podes vir…



FIM.

Memórias azuis escritas ao de leve numa
Folha, essa azulada também, sobre mim, lua cheia, sobre mim.
Saudade de negro aceso e
Preto, preta desilusão, amarga, antiga, continua… enfim, acaso, caos.

suspiros que a idade é incapaz de suportar.
a glória maldita do que podia ser…
Maldade que eu não sei explicar
sou sensivel a esta crueza sem sentido.

E os passaros do relógio continuam a avançar, em espiral
Até ao núcleo do meu ser. E depois o vento eleva o luar
Vulnerável ao caos do tempo, suavemente.
Eu tento fugir pelas portas do esquecimento,
mas todas as portas se fecharam.
o mestre de negro sempre indiferente.
Acende o lume, depois a cigarrilha
E observa-me paciente, como sempre.

Sem respostas eu avanço,
Nunca desistindo de sonhar
Um dia, algumas palavras apagadas,
E tu ainda serias meu.

Mas são só sonhos, eu sei,
Mas talvês fosse verdade, não sei.

Espero pacientemente,
Que alguem tire a ficha da tomada
E me desligue.

Olha para ela agora, acordou, ainda sonolenta, a pele sem ter acabado completamente a muda, tão branca e lívida, entra no carro do homem rico, entra no carro do homem rico que conduz com uma pequena coroa dourada, entra na limusina do homem cujos assentos de trás albergam o tigre, e ela pergunta, na sua voz suave como vidro a ser moído: “Porque te tornaste escritor?” Ela é uma das femme fatalle, ela está com ele porque ele lhe comprou um relógio de mão, redondo, com as horas em espiral, e todo banhado em prata. Há sempre algo nela que a faz insatisfeita, e quando a pilha do relógio morre, ou se o relógio avaria, ela parte à procura de outro, e de alguém que lhe ofereça outro, é sempre esta a sua procura. Todos os tons do verde podem ser encontrados no negro, porque o fundo do negro é sempre verde, e a pele dela é tão verde quando o sono é profundo… o relógio pára todas as noites. As mulheres, quando estão acordadas, saem sempre do vidro moído dos relógios espiralados, quando estão adormecidas, não sei, excepto que os caixões não são nada que elas não tenham engolido no ventre.

TENTEI domesticar-te, DEIXAR-TE vir a mim, para receberes todo o meu carinho, quando não mais conseguisses. Tentei domesticar-te, como a um pequeno lagarto, mas tu eras mulher, traiçoeira, eras mulher. Amei-te ainda mais, por te deixar ir.

Deixar-te ir para onde? Para onde vais quando dormes e te rodeias de luz e fumo florescente, para onde eu não vejo, para onde eu não vejo?

Onde te escondes quando acordo sem ti e te cobres de coisas que são as coisas do dia que passa, e eu não te vejo, e eu não te vejo?

Porque só ficas tu se só penso na morte, onde nada me abala, e eu só te beijo, e eu só te beijo?






Três demónios ao jantar.

Passa-me o alho Jezebel.
Passa para cá o frango seu Zarolho.
Larga a frigideira, Rabo-de-Boi!

Jazebel acende um cigarro esperança
O Zarolho enche o copo de passivity, scotch whisky
E o Rabo de Boi mastiga amendoins desilusão.

Jazebel deita as cinzas no copo do zarolho
Ele não se fica, cospe uma chama no cigarro do outro
E como quem não quer a coisa, joga os amendoins do Boi ao chão.

Este último tem mau feito e vira a mesa do avesso e com
O tridente ferrugento pica o rabo dos dois.
Pouco barulho, rosna Phalucifer, deixem-me ver a televisão.

Que está a dar?
Estou a ver a Criação.
E os três demónios sentaram-se em frente ao negro ecrã.

Chega para lá ó Jezebel,
Cala a boca ò Zarolho.
Rabo-de-boi, passa para cá o comando.

Jezebel quer ver o Finantial Times
O Zarolho já ressona alto que nem um urso
E o Rabo-de-Boi quer ver a TV desligada.

Jazebel mete o som no máximo
O Zarolho acorda, dá uma patada no aparelho
E parte o vidro do ecrã à dentada.

O Rabo-de-Boi fica furioso como um boi
E dá-lhe uma marrada bem no estômago,
O Jazebel fugiu porta fora em bicos-de-pés.

Foi assim que a noite cobriu o universo, e embora na terra pareça haver dia e noite é apenas porque quando Rabo-de-Boi adormece, Jezebel aparece e fica em silêncio a jogar poker com o Diabo. Dizem os sábios que antigamente o dia era a criatura mais barulhenta de todos os seres criados.

Mas o tempo é assim.

As coisas mudam, sempre:

Primeiro havia esta força que era indomada, depois as vergastadas da vida, que parecia de tal pudor que nem mesmo a força que parecia indomável parecia domar essa força de Vida, insondável, que há mente parecia até irrealizável. Não me olhes agora irmão, a menos que os teus olhos se ceguem com a morte que compreendi ser possível numa directriz sonora deste outro sonho separado em que nos deixamos desvanecer. Se eu tivesse lágrimas, que não tenho, elas teriam cristalizado em forma de vácuo e então também eu seria secado pelo fogo que te abrasa. Eu sou, porém, a solução para todos os fogos, a morte mais funda que o fim da vida, mais célere que o inicio das pequenas vidas que brotam dos campos e se agitam em passos cíclicos. A minha morte é um símbolo de esperança para os que não morreram. Abraço as pessoas pela fronte e deixam-se esquecer, os fantasmas acordam do seu sono porque tudo passa a viver na lei incondicional da existência.

Se não tivesse queimado a pele poderia realizar uma plasmificação hirta do conhecimento, poderia então porventura sacrificá-la na esperança de me redimir como se fosse um homem. Mas queimei a pele, e por isso não se pode vestir de si mesma, e por isso não sou um homem mas simplesmente a configuração tenebrosa da verdade. Nu, o homem é o horror cósmico na sua totalidade; Nu, toda a beleza dos deuses faz perecer como meras fantasias; Nu, o homem é a face do desconhecido e o próprio sobrenatural uma ferramenta usada para escapar a esta visão. Se um só homem vivesse no Éden entre nós, todos os outros cometeriam o suicídio: as frases de poder seriam cuspidas das membranas do olhar.

Nu, o mundo é um conjunto de fezes impossíveis de limpar.

Qualquer um se apercebe disto em certos momentos mas é esquecido junto com isto, embriagado nos desejos de Diana, e por isso persegue ilusão após ilusão. A ilusão existe para ser perseguida, mas como reagiria a ilusão se perseguida por algo de real substância? Desvanece. Pois desvanecer é a linha que separa a realidade da verdade. É o túnel da formiga vermelha. É o fim das respostas e a satisfação das perguntas.

É a morte que coroa as estrelas que coroam os homens. Mas eu não sou um homem. E a morte são só as minhas asas. Dentes, são as minhas palavras. São os dentes que arrancam a carne em tumor no inchaço da morte, são as chamas que se apagam e não deixam clareira na noite, são a voz que troça das coisas belas, porque as coisas belas tão facilmente se prendem à vaidade e em nada são belas. São a suculência das mulheres vermelhas que lambemos nas chamas vermelhas do crepúsculo, no fim de todas as civilizações, no término dos maneirismos, na fúria última dos beijos de despedida a tudo o que consideramos vida, e que se resume só ali.

Os meus dentes são as dores do parto, são muito bem carrascos sem face, incógnitos, desfigurados, só com a cor da pátria. São as vagas desfeitas nos mares da eternidade, e as abominações que espreitam de soslaio. São a tortura das noites que se precipitam nas ravinas e nas portas como punhais que santificam.

São a morte quando se cheira a si mesma e se move como os vivos.

É um pedido de desculpa, é só isso. Desculpa por existires, por eu existir, por estar tudo mal feito e ainda ser perfeito. Eu sou o fim das soluções e aquele que passar por sobre o meu corpo, porque eu sou a linha e o túnel, passará através de uma grande muralha de fogo, será como a bala que perfura a cabeça de um lado ao outro e a boca aberta com um U.

























































- Intervalo –



Enquanto esperas pelo comboio:
Pensa que existe vida noutro planeta, algures no céu, e em como tudo é especial para ti lá, nesse lugar que é sempre único, que é sempre novidade, nesse lugar de mistério. Pensa agora que és tu a ser visto, vê com esses olhos, até a tua sombra, até os gatos, e mesmo os grafites no muro como místicos hieróglifos. Isto és tu, sem mais. Da minha esfera todos somos isto, extra-tudo, tudo penetrantes.


- Intervalo -




















MANUAL DE INSTRUÇÕES
Como começar uma Revolução no Século XXI

I
Reune um grupo de pessoas que partilhe da mesma necessidade.

II
Reune uma soma de dinheiro e queima-o publicamente.

III
Repete a operação com dinheiro falso.

IV
Não te apoies em nenhuma autoridade.
Não uses um nome.
Não retires crédito pelas tuas acções.
Não tenhas uma cara.
Não retires proveito das tuas acções.
Não esperes ver um resultado, nem mesmo acredites nele.
Contudo,

V
Inspira o caus e a loucura
E não te preocupes com a punição
Ela não cairá sobre ti.
Não lideres.
Sê expontaneo.
Vence o teu único inimigo, o ego, e o exterior cairá por si só.

Semear a anarquia é assim tão simples.

Phalucifer.


















Um dia perguntei-me, porque querem os Mestres que eu fique sozinho? E nenhuma resposta chegou, por isso eu sentei-me e escrevi para não enlouquecer.

Escreves-me até à exaustão, alteraste a regra, zangas-te com todas as perguntas e impões a lei do silêncio.

Estou farto e aborrecido. A minha única companhia é um gato farto e aborrecido. Uma casa que arrumei uma e outra vez e em poucas horas está um caos, porque é como me sinto: não há como evitar.

Escutas o chiar das unhas e pensas em nós, em como nos rasgámos para nos desenharmos, sem ter descoberto mais que papel.

A tv religiosamente desligada.

Papel, e é tudo.

A internet flutuando nos seus gritos de revolta e lá fora gritam golo, e uma onda de ferrugem de festejos em massa ressoa com o eco vil de milhares de tv’s sintonizadas na mesma ausencia e tudo se dissipa no silêncio, fica o som da minha caneta a martelar palavras sem sentido. Que irás tu pensar quando me leres? Pergunto-me, serás tu percorrida pelo mesmo desgosto que me infecta?

Diz a esses alquimistas que o ouro é mentira estagnada.

Trarei eu à tua visão a nuvem poluida da realidade?

Chega, chega. Pareces mentira.

E quererás tu como eu rasgá-la louca num segundo, destituí-la de todas as suas estranhas comodidades, expô-la abruptamente ao seu ridiculo canceroso, incitar uma revolução dentro de ti mesma e desistir de uma vêz desta farsa? Cada um de nós, escravos do ego, só pensamos nas nossas questiúnculas miseráveis, enquanto somos cumplices da devastação das espécies, confiantes que o plano divino há-de estar lá, onde nós não estamos.

Tive saudades tuas. Porque acabámos. Chega de acabar.

E essa crença leva-nos pela mão através da insatisfação intervalada com as distracções desesperantes dos nossos conflitos amorosos, dividas financeiras, discussões futeis e passageiras, opiniões e tomadas de posição virtuais, jogadas de poder e “auto-realização”. Quem somos nós para condenar o homem por detrás da cortina… não é ele um mero reflexo do nosso cancro?

Pareces mentira, porque és de verdade. Pareces verdade quando és de mentira. Porque nos separámos? Saudade.


Manual de Instruções II


  1. Que o manto seja de cinzas e folhas que as arvores largaram.
  2. Deixa o tempo acabar.
  3. A missa do limite em todas as luas negras é o requisito.
  4. Amansa todos os animais pequenos que há em ti.
  5. Deixa a Grande Besta expressar-se pelo sinal da sua presença.
  6. Rasga uma fotografia tua e imagina que és um tigre.
  7. Rasga uma fotografia de alguém que ames e imagina ali a Rainha Lagarto.
  8. Mistura as fotografias com as cinzas e enche-as de esperma.
  9. Esquece a batalha. És um lagarto com cabeça de leão.
  10. Imagina que estás a perder a objectividade, então agarra-te a ela como se fosse a ultima que te agarrasse à vida, agarra-a com todos os músculos.
  11. Depois, deixa-te cair.
141. Boa viagem.
414. Boa viagem.
888. Boa viagem.
999. Limpa o aquário para nuvens.
666. Alimenta-te do cadáver de Deus. Ri tu nas coisas, e que nada se ria em ti.
  1. O punhal é uma porta, o coração é o forte.




























Profecia

Para repousar em paz, eu canto para dormir esta cantiga, e muito me apraz, e muito me apraz.


Phalucifer ensinou-me que vale a pena chorar.

Phalucifer ensinou-me que vale a pena sonhar.

Ele ensinou-me que vale a pena escrever.

O meu figado aqui derramado para os insectos do teu sub-consciente dele se alimentarem, e o dragão de fogo eu invoco, e o seu olho despertará dentro de mim e dentro de ti, pois somos um.

E a Era será reVelada aos descrentes.

E eles serão levados com o seu sangue.

E com esse sangue a terra foi fermentada.

Esta é a água de Aquário: o sangue dos descrentes.

Os descrentes da razão serão os primeiros, depois os descrentes do amor que é o espirito da terra, e depois os descrentes no Cristo mistico e renascido, único redentor da humanidade.

E como pedras eles cairão e seus impérios de mármore serão os seus tumulos, pois a Esfera Negra iniciará o periodo de transição. E tudo começará no dia 1 do mês de maio e terminará em 1 de Abril do mesmo ano. O filho abortivo da Nova Era terá cumprido a sua missão, deixando com a sua morte a devastação e o silêncio. E a Esfera Cinzenta brilhará e trará de novo a febre viva dos ceus, e um novo Senhor tomará o Trono. E adoração não será mais prestada ao dolar americano. Um novo sacrificio será realizado nas mãos dos Primeiros, e a vingança do falcão estará consumada, e o Espirito das Eras satisfeito. O homem terá conhecido o sol e a lua e a terra também. A ciencia dará lugar ao sonho, e o Sapo será coroado, pois que o fisico e o celeste cessaram como realidade, e serão em diante como mitos macabros para assustar as criancinhas.

Amen.




Prometeus é uma espiral de fogo que eu seguro como chicote, que eu uso como correntes e que liberto como serpentes. Buzios, o meu cabelo são buzios e a pele é o mar. O meu estomago são os relógios de prata. Bane tudo, irmão, pois eu estou cá.

Eu vim ao mundo

Para assistir ao seu fim.
Eu nasci para o fim
Como seu incitador.

Amen.

(imagem do sigilo de Sirius Adat) 9.8.2008


































Posfácio

A mudança ainda vem como um homem. Se não queres ser deixado só, ou eu que me deixes só, aproveita este espaço de solidão. Aqui tudo continua, é este o lugar em que até a interrupção cessa e é interrompida. É este o lugar em que a tua mão toca a outra mão, a mesma mão. É aqui que o Grande Réptil levanta a cabeça para a Lua e ri como as hienas. É aqui que o tempo pára, e fica só o espaço. Bem-vindo ao inferno. Aqui toda a gente se despe de ti, e só as ruínas te cobrem. Aqui somos em paz. 

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